Programa compartilha técnicas sobre rigor em metodologias científicas nas Ciências Sociais com estudiosos de várias partes do mundo
“Eu acho que a gente abre uma ponte”, começa o pesquisador Demian Sousa Costa e Silva, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia (PPGCS/UFU), “e abrindo essa ponte, conseguimos estabelecer uma conexão entre a UFU e uma universidade de referência internacional”, reflete. O discente é o décimo brasileiro selecionado para a Iniciativa de Berkeley para a Transparência nas Ciências Sociais, programa realizado há doze anos pela Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos da América.
O projeto é aberto a estudiosos do mundo todo e, em 2024, selecionou 30 pesquisadores para realizar o Treinamento em Transparência e Reprodutibilidade em Pesquisa, presencialmente na Universidade de Berkeley. Motivado por uma crise no campo científico a respeito da confiança em dados e pesquisas, o curso fomenta a replicação de estudos com indicativos metodológicos rigorosos, atuais e alinhados à ciência de dados.
O treinamento, que ocorrerá entre 5 e 7 de junho, aborda questões éticas, aspectos da conduta científica, graus de liberdade do pesquisador, formas de registro de estudos, gerenciamento e compartilhamento de dados, interpretação de evidências estatísticas e aplicações possíveis nas diversas áreas das ciências comportamentais e sociais, dentre outros tópicos aplicados aos estudos em desenvolvimento pelos participantes.
O que é a crise de reprodutibilidade científica
A reprodutibilidade é um pilar fundamental do método científico. Quando um novo estudo é publicado, é importante que seu resultado possa ser novamente obtido por diferentes pesquisadores ao investigarem o mesmo problema e com os mesmos procedimentos metodológicos. Quanto mais os estudos conseguem ser averiguados por meio de replicações das técnicas utilizadas nas pesquisas, mais a ciência se fortalece.
A busca pela qualidade metodológica, porém, conflita com a demanda de produção de pesquisas em larga escala. É a crise da reprodutibilidade, sentida pelos pesquisadores nas últimas décadas. “Dentro da ciência entrou uma prática de publicar ou perecer: para galgar posições altas, você deve publicar muito, e quando publica muito, os dados não são fortemente verificáveis e replicáveis por outros pesquisadores, o que leva a falsificação de dados”, analisa Silva.
Esse é um ciclo que afeta todas as partes: quanto mais artigos em periódicos, mais conhecido fica o pesquisador e mais investimentos ele terá e o mesmo acontece com os periódicos. “A gente dedicou muito tempo para fazer novas pesquisas e pouco para averiguar as que já existem. Então, há agora um foco nesses lugares que são a vanguarda de ciências no mundo em formar pessoas que vão replicar esses experimentos e desenvolver essa possibilidade técnica de replicação”, finaliza o pesquisador.
Internacionalização na UFU
Embora muitas pesquisas nas áreas das ciências sociais sejam difíceis ou impossíveis de replicar ou reproduzir, o trabalho com os dados pode ampliar os horizontes. A construção de uma ciência mais transparente permite que, por exemplo, uma pesquisa realizada em uma universidade no interior possa ser replicada em qualquer parte do mundo, com números próximos ou iguais aos da primeira exposição, com o uso da ciência de dados.
O coordenador do PPGCS/UFU, Moacir de Freitas Junior, acredita que a participação de Silva na iniciativa de Berkeley tende a fomentar ainda mais o rigor científico das pesquisas realizadas na UFU. “Além de poder desenvolver melhor as técnicas de pesquisa em dados, o discente também se tornará um replicador desses conhecimentos para o PPGCS e para a UFU, ampliando o número de pesquisadores que poderão trabalhar com o uso de dados”.
Para ͏o dis͏cente͏, com͏parti͏lhar ͏com s͏eus c͏olega͏s as ͏técni͏cas p͏ratic͏adas ͏em Be͏rkele͏y ser͏á pri͏orida͏de. “͏Eu se͏mpre ͏tive ͏muita͏ vont͏ade d͏e ser͏ prof͏essor͏ de m͏etodo͏logia͏, ent͏ão, n͏o sen͏tido ͏mais ͏pesso͏al, a͏cho q͏ue va͏i pos͏sibil͏itar ͏alinh͏ar as͏ pesq͏uisas͏ que ͏faço ͏aqui ͏no Br͏asil ͏com e͏sse p͏adrão͏ ouro͏ da c͏iênci͏a no ͏exter͏ior”,͏ rela͏ta Si͏lva. ͏Estab͏elece͏r elo͏s e r͏eforç͏ar o ͏papel͏ das ͏unive͏rsida͏des d͏o int͏erior͏ do B͏rasil͏ tamb͏ém fa͏z par͏te do͏ que ͏o pes͏quisa͏dor b͏usca ͏para ͏forta͏lecer͏ o ec͏ossis͏tema ͏cient͏ífico͏. “Sã͏o uni͏versi͏dades͏ que ͏se fa͏zem n͏o loc͏al, m͏as se͏ plan͏ejam ͏e se ͏const͏roem ͏globa͏lment͏e”, c͏onclu͏i.